domingo, fevereiro 01, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: «Anais de Pena Ventosa» de Pedro Eiras (I)

Um dos romances mais interessantes publicados no final do ano passado foi o que Pedro Eiras dedicou a Bach. Mas, inicio aqui um conjunto de textos sobre um outro seu romance, publicado em 2001, que passou praticamente despercebido, muito embora merecesse  bastante melhor consideração. Refiro-me a «Anais de Pena Ventosa», em que ele optou por um português a parecer arcaico para nos dar um retrato elucidativo sobre a realidade portuguesa antes da fundação da respetiva identidade política.
Passado no início do século XII na zona em que virá a existir a cidade do Porto, tem por narrador um jovem noviço chamado Bonifácio, que connosco partilhará as progressivas dúvidas sobre a sua efetiva vocação religiosa. E ele será de tal forma um alter ego do autor que, logo de início ele alerta-nos para o facto de ter escrito este romance para perder a sua adolescência.
Vejamos, então, como se apresenta esse protagonista: “chamo-me Bonifácio. É bem de ver que este nome significa em latim ‘faço o bem’. Assim me chamaram meus pais; talvez adivinhassem que eu seguiria a Igreja? Pois não assenta este nome como luva a quem tem por ambição servir a Deus?” (pág. 15)
E, mais adiante explica a precoce orfandade: “O Senhor reclamou a ambos quanto eu ainda nem tinha memória. Fiquei à guarda de tios que me criaram até cumprir cinco anos, e enfim me entregaram à guarda de Dom Gonçalo, para que eu fosse educado na Santa Fé Católica e servisse como ministro de Deus” (pá. 17)
Está-se no ano de  1113 e Bonifácio vive num convento de peculiar geografia: Este monte em que rezo e vivo chama-se Pena Ventosa ou Penha Ventosa, pois é grão rochedo sem falha e cheio de ventos. (… ) Fustiga o Senhor a este monte; mesmo com o muito casario que cerca esta cela isolada, os ventos entram, a chama da vela treme.” (pág. 11-12)
Atento observador de tudo quanto o rodeia, Bonifácio decide iniciar a redação de um diário onde caracterize as pessoas da povoação: “ a maioria das gentes de Portucale se condena às chamas eternas. O sossego da povoação deserta e adormecida é apenas aparente: um fogo já queima dentro da casa dos homens”. (pág. 13)
Por isso será sobre elas que incidirá muito do que decidir escrever: “Redigirei acerca dos que ajoelham  e dos que insistem em manter-se de pé, ofendendo o Senhor.” (pág. 14)
Mas promete não ficar por aí: “Escrevo sobre o homem e escrevo sobre os barcos , porém para escrever sobre Portucale, pois assim é esta cidade: de um lado a Vila, aliás Cividade, do outro o burgo de Pena Ventosa, onde sita o nosso louvado mosteiro, e onde é a minha cela, a que recolho, pela noite, e na qual escrevo isto.” (pág. 21)

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